Texto: Genética de Populações

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Course: BG048 GENÉTICA DE POPULAÇÕES HUMANAS - BIOMED
Book: Texto: Genética de Populações
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Date: Tuesday, 17 June 2025, 6:57 PM

1. Conceitos

População (mendeliana):

Para organismos diplóides, de reprodução sexuada, uma população mendeliana é uma

“Comunidade de indivíduos pertencentes à mesma espécie e convivendo em uma mesma localidade, de tal modo que qualquer membro da população pode cruzar-se com qualquer outro”

Ernest Mayr, 1977


Polimorfismo

Polimorfismo é a existência de um locus com pelo menos dois alelos em uma população, sendo que nenhum deles ocorre com frequência superior a 99% (limite arbitrário para garantir que a variação seja minimamente comum).


Tamanho efetivo populacional

Tamanho efetivo da população é, em teoria, o número de indivíduos que tem ou terão descendentes! Mede o tamanho do pool gênico, não o número de indivíduos, o q importa é quantos alelos diferentes existem e em que frequências.


•Genética de Populações:

•A genética de populações é o estudo da origem e da dinâmica da variação genética nas populações ao longo do tempo (Hartl, 1987)‏.
•Um dos objetivos da genética de populações é quantificar a variação genética existente nas populações e explicar sua origem, manutenção e importância evolutiva.
•A genética de populações tem grande importância na saúde humana e na conservação das espécies.
•A genética de populações busca entender como os genes se comportam nas populações, o que é necessário para entender como a evolução influenciou e influencia os genes, que por sua vez é importante para tentar inferir o que aconteceu no passado a partir dos padrões de variação genética em populações atuais.



          

2. Equilíbrio de Hardy-Weinberg



O Teorema de Hardy e Weinberg é o fundamento da genética de populações, descrito em 1908 independentemente pelos dois pesquisadores, e demonstra uma simples relação matemática entre frequências alélicas e genotípicas em uma população, que leva a uma importante previsão dentro da genética de populações:

“As frequências alélicas e genotípicas tendem a permanecer em equilíbrio nas populações em panmixia e na ausência de fatores evolutivos”.

Equilíbrio significa que para cada frequência alélica vai corresponder uma distribuição de frequências genotípicas! 

Freq alelo A = p                então,       Freq genótipo AA = pxp = p2
Freq alelo a = q                                   Freq genótipo Aa = 2pq 
                                                                Freq genótipo aa = qxq = q2



Para que o equilíbrio se mantenha e as frequências se mantenham constantes, há dois pressupostos: 

a. panmixia = todos os indivíduos de uma população tem a mesma chance de se cruzar com qualquer outro indivíduo da população (ausência de cruzamentos preferenciais).

b. ausência de fatores evolutivos:

•População infinita (o que garante a ausência de deriva genética)‏
•População isolada (sem fluxo gênico, não recebe novos alelos nem perde alelos)‏
•Todos os genótipos têm o mesmo valor adaptativo (ausência de seleção natural)‏
•Os genes são constantes (não ocorrem mutações ou as taxas de mutação são desprezíveis)

O teorema de Hardy-Weinberg só é válido para organismos diplóides, de reprodução sexuada e gerações discretas (não sobrepostas, indivíduos de gerações diferentes não se cruzam).

O equilíbrio é alcançado em apenas uma geração! Ou seja, qualquer população cujas frequências não estejam em equilíbrio, em apenas uma geração em panmixia sem ação de fatores evolutivos as frequências atingem o equilíbrio.

Mas as condições estabelecidas para a obtenção do equilíbrio de H-W não são completamente satisfeitas por nenhuma população real! Nenhuma população real é infinita, então todas as populações sofrem algum grau de deriva genética. E é isso torna possível explicar o processo evolutivo dos seres vivos (ação de fatores evolutivos). Apesar disso, os genótipos se distribuem de acordo com o equilíbrio de Hardy-Weinberg para muitos caracteres monogênicos que não suscitam casamentos preferenciais. As taxas de mutação em geral são muito baixas, a deriva genética tem em geral impacto pequeno, a seleção natural só atua fortemente em algumas regiões do genoma e os cruzamentos preferenciais, quando ocorrem, são baseados em um pequeno número de características.

•Para um gene com dois alelos, “A” e “a”:

Frequência do alelo “A” = p

Frequência do alelo “a” = q

•p + q = 1

•As frequências genotípicas na população se distribuem de acordo com o binômio:



É possível demonstrar matematicamente como essas frequências se mantém ao longo das gerações:




O equilíbrio de H-W também pode ser representado de uma forma gráfica, onde podemos observar que a frequência máxima de heterozigotos em uma população em equilíbrio é de 50%, o que ocorre quando os dois alelos apresentarem frequência de 50%.



Cálculo (contagem) de frequências alélicas quando há codominância (os heterozigotos são diferenciados dos homozigotos, ou temos a informação molecular):


Fatores que alteram as frequências genotípicas sem alterar as frequências alélicas:

•fuga da panmixia:  cruzamento preferencial

-  homogamia (cruzamento preferencial entre indivíduos portadores do mesmo alelo) aumenta a taxa de homozigose (inclusive de genes letais).

-  heterogamia (cruzamento preferencial entre indivíduos com alelos diferentes) favorece a heterozigose.

- Endogamia (ou endocruzamentos, casamentos consanguíneos): casamento entre indivíduos geneticamente aparentados em frequência maior do que a esperada ao acaso. A consanguinidade (indivíduos com ancestralidade comum) leva ao aumento na probabilidade de homozigose por origem comum do gene.

Fatores evolutivos: que alteram as frequências alélicas nas populações:

•Determinísticos: com intensidade, direção e variância determináveis

- Mutação
- Seleção natural
- Migração (fluxo gênico)‏

•Estocásticos: sem direção determinável

- Deriva genética


          

3. Mutações



Mutação é qualquer mudança na sequência de bases do DNA, aleatórias (em termos de função e portanto em termos evolutivos), estáveis e herdáveis para sua progênie de células através da divisão celular.



Mutações em células somáticas: são restritas a um único organismo, podem ter grande impacto no organismo, como por exemplo no câncer;

Mutações na linhagem de células germinativas: são as únicas que podem ser passadas para as próximas gerações, portanto de interesse evolutivo pois tem impacto populacional (essa é a taxa de mutação considerada);

Mutações gênicas: são pontuais, afetando uma ou poucas bases na sequência do DNA. Mecanismo que dá origem a variabilidade alélica.
Mutações cromossômicas: de larga escala, envolvendo grandes sequências.

De acordo com o impacto que as mutações causam, as mutações podem ser:
- favoráveis (para a função), benéficas para o organismo;
- neutras evolutivamente (não interferem na função ou na capacidade de sobrevivência e reprodução, ou seja, não sofrem seleção natural);
deletérias, que afetam negativamente a função, sendo prejudiciais ao organismo. Como as mutações do ponto de vista funcional são aleatórias, a maioria é prejudicial ao organismo. A mutação faz com que alelos deletérios se mantenham na população, pois mesmo que a seleção natural elimine essas mutações, novas mutação sempre surgem.

A mutação é a única fonte primária de diversidade genética, introduzindo alelos novos na população (matéria prima da evolução). Já a recombinação é fonte secundária de diversidade, em si não cria nada novo, dependente da mutação, porém cria combinações novas entre as variantes genéticas (embaralha as mutações). A recombinação pode gerar novos alelos de um gene recombinando diferentes SNPs!

Taxa de mutação “µ”


Mutação é a conversão de um alelo em outro. A taxa de mutação é, em cada geração, quanto de “p” mudou para “q”. Essa taxa pode ser estimada ou calculada.

As mutações espontâneas são muito raras (de 10-5 a 10-6 por locus por geração), variando ao longo do genoma. Quando as mutações surgem sua frequência na população é muito baixa (literalmente uma única cópia em um único cromossomo).

A mutação pode ser direta (de A para a) ou reversa (de a para A), uma exatamente o contrário da outra.



Ambas podem ter suas taxas estimadas e são determinadas de acordo com o contexto evolutivo da sequência (uma mutação reversa "apaga" a primeira mutação, o alelo volta a ser o original).


          

4. Seleção Natural




A teoria de evolução por seleção natural foi proposta independentemente por Charles Darwin e Alfred Wallace, que publicaram um artigo em co-autoria em 1958, e já em 1959 Darwin publicou seu livro "Origem das espécies":




A teoria de evolução por seleção natural diz que:

"Há variação entre os indivíduos na habilidade de obter recursos, o q influencia na sua chance de sobrevivência e reprodução. "

Ou seja, alguns indivíduos deixam mais descendentes do que outros. Essa variação é pelo menos em parte hereditária (genética). Há competição entre os indivíduos por recursos (não há alimento, espaço, parceiros, etc suficiente para todos os indivíduos reproduzirem ao máximo). Assim, os indivíduos que conseguem mais recursos deixam mais descendentes. As variantes genéticas que aumentam a chance de sobrevivência e reprodução dos indivíduos vão aumentar de frequência na população com o passar do tempo.

A seleção natural implica em reprodução diferencial:
•Taxas diferentes de sobrevida e reprodução em indivíduos com composição genética diferentes (genótipos diferentes).
•Consequência da viabilidade e fertilidade diferenciais dos vários fenótipos (em caso de dominância do alelo, homozigoto e heterozigoto apresentam a mesma viabilidade efertilidade).
•Os indivíduos com diferentes fenótipos apresentam valores adaptativos (W) diferentes.

Valor adaptativo "W"

W, valor adaptativo ou aptidão darwiniana (ou fitness, do inglês), é um valor que podemos atribuir a um determinado indivíduo (média dos indivíduos com um determinado genótipo), que mede quanto um certo indivíduo vai ser representado na geração seguinte (é sempre relativo aos demais indivíduos, varia de zero a 1).

O valor adaptativo é específico para um dado ambiente, pois um genótipo pode ser favorecido em um ambiente mas não em outro. Não é uma característica intrínseca do genótipo, é variável conforme o ambiente.

Critérios para se calcular o valor adaptativo, em teoria:

•Sobrevivência do indivíduo
•Número de filhos que o indivíduo teve
•Número de filhos sobreviventes – não basta ter muitos filhos se não cuidar deles
•Número de filhos que se reproduzem
•Número de netos
etc...

Coeficiente de seleção "s"

O "s" (coeficiente de seleção) tem um sentido negativo. É exatamente o contrário do valor adaptativo, mede a intensidade de seleção natural que age sobre os genótipos da população (eliminando o genótipo da população).

•W = 1 – s
exemplo: s = 0,2; W= 0,8

Se há seleção natural, as frequências alélicas são alteradas na população (não permanecem em equilíbrio). É possível prever as frequências alélicas da população após uma geração com o coeficiente de seleção:


Dependendo dos genótipos que são favorecidos ou desfavorecidos (e o que a seleção causa na distribuição dos fenótipos na população), a seleção natural pode ser dividida em casos específicos: 

- seleção estabilizadora
- seleção direcional
- seleção disruptiva

Na figura abaixo estão representadas as curvas de distribuição fenotípica na população, com a indicação da média, iniciando sempre da distribuição normal e o impacto da seleção natural com o passar das gerações.



Seleção estabilizadora ou balanceadora

•Os dois fenótipos extremos são selecionados, o heterozigoto é o que tem o maior valor adaptativo.
•Mantém  a diversidade (pois os heterozigotos tem os dois alelos) e reduz a amplitude do fenótipo (da distribuição, menos fenótipos extremos). Mantém o polimorfismo na população. Não apresenta tendência de levar à homogeneidade.



Casos:

1. Sobredominância: os heterozigotos são favorecidos, possuem o maior valor adptativo. Se os homozigotos estiverem sujeitos à mesma pressão seletiva, os alelos ficarão com as mesmas frequências.

2. Seleção dependente de frequência: varia ao longo do tempo, a frequência do genótipo ↓ o valor adaptativo dele ↑ (quanto mais raro o alelo, mais vantajoso ele é, mas aí ele tende a aumentar de frequência e o valor adaptativo dele cai).‏

exemplos: predador presa; parasita hospedeiro; preferência por macho raro

3. Mudança dos valores adaptativos de acordo com as condições ambientais.

exemplo: sazonalidade (estações do ano, etc..); um genótipo pode ser melhor no inverno, outro no verão.‏



Seleção direcional (negativa ou positiva)

•Favorece um fenótipo extremo (alelo bom x alelo ruim).
•Provoca mudança na média do fenótipo na população em direção ao fenótipo favorecido.
•A população continua tendo uma distribuição fenotípica normal, a curva apenas se desloca.



Um exemplo clássico: seleção contra o genótipo recessivo "aa". A seleção reduz a frequência do alelo "a", porém não consegue, sozinha, eliminar o alelo da população, que permanece sem ser afetado pela seleção nos indivíduos heterozigotos.



Seleção disruptiva ou diversificadora

•Atua contra os heterozigotos (não há dominância, o fenótipo do heterozigoto é diferente do fenótipo dos homozigotos); se a taxa de seleção é a mesma para todos os alelos, pode não alterar as frequências alélicas da população, apenas divide a curva de distribuição em duas curvas fenotípicas.
•Favorece mais de um fenótipo (ambos os extremos).
•Mantém a diversidade populacional (os dois alelos na população).



Exemplo: seleção com divisão de nichos (especialização de diferentes genótipos homozigotos por exemplo em diferentes alimentos, o que faria com que o heterozigoto não tenha uma alimentação ótima para nenhum dos alimentos).

Dinâmica entre taxa de mutação e seleção natural

Conhecido como o modelo hidráulico da genética de populações: a mutação faz com que os alelos deletérios se mantenham (sempre existam) na população, mesmo que ao longo do tempo sejam eliminados pela seleção natural.


A taxa de mutação (torneira pingando água) é baixa mas é constante. A seleção natural (a fenda) não consegue eliminar todas as mutações assim que surgem, sobrando sempre uma frequência de mutações deletérias (q), desde que essas não sejam letais.


          

5. Fluxo gênico



Migração genética é o influxo de genes de outras populações, comumente chamado de migração ou fluxo gênicoQuando indivíduos se movem (migram), levam seus genes com eles e suas variantes genéticas. Mas o grupo de migrantes quase certamente não é uma amostra representativa da população em termos de presença e frequência de suas variantes genéticas. 

Assim, temos uma população que perdeu indivíduos e outra que ganhou indivíduos. O ganho de indivíduos geralmente causa uma alteração maior, inclusive inserindo alelos novos na população (fonte de variação na população).

Efeito geral da migração:
-Impede a divergência genética entre populações (elas trocam alelos entre si).
-Aumenta a variação genética dentro das populações (diversidade populacional).


          

6. Deriva Genética




A deriva genética é um processo aleatório, como se fosse um sorteio de alelos que irão formar os indivíduos da próxima geração da população.


A deriva genética é uma variação aleatória da composição genética de uma população (aumento ou redução das frequências alélicas ao acaso). São efeitos aleatórios de amostragem dos gametas que se unem para formar a próxima geração, pois o número de indivíduos não é infinito. 

A deriva genética pode eliminar um alelo ou até fixá-lo na população. Então, a longo prazo, podemos dizer que a deriva diminui a diversidade genética da população.

A deriva tem grande importância em polimorfismos neutros, alelos funcionalmente equivalentes (que não sofrem ação da seleção natural). O efeito da deriva também é maior em populações pequenas e isoladas (tem maior impacto).

O tamanho efetivo da população é o Ne: estimativa do n. de indivíduos na população que se reproduzem (contribuem para a formação da próxima geração).

Efeito gargalo de garrafa (Bottleneck)

O efeito gargalo de garrafa ocorre quando há uma diminuição abrupta tamanho da população. 

•O efeito de gargalo de garrafa é independe  do  valor  adaptativo. As frequências  alélicas  dos  sobreviventes  nem  sempre  correspondiam  à  da  população  original, e independente do valor adaptativo dos genótipos podem ter aumentado ou diminuído.

Na figura abaixo está representada a diversidade genética de uma população com o passar do tempo, da esquerda para a direita. As cores representam diferentes alelos. No painel central vemos como a diversidade populacional se manteve ao longo do tempo sem nenhuma alteração no tamanho populacional (altura da barra). Já no primeiro quadro vemos uma população passando por um período onde há um forte gargalo de garrafa, uma abrupta redução do tamanho populacional, onde notamos uma redução da diversidade genética (cores dos círculos). Após algum tempo, o tamanho da população aumenta novamente, porém na população atual ainda assim observamos uma diversidade menor do que antes (só dois alelos diferentes representados). 



círculos de diferentes cores = diferentes alelos


Efeito fundador

No quadro mais abaixo vemos o efeito fundador, que ocorre quando um pequeno grupo de indivíduos se separa de uma população maior para fundar uma nova colônia ou população (a população de origem continua existindo e pode ou não ser afetada em sua diversidade genética, dependendo do tamanho do grupo de migrantes e das variantes alélicas que carregam).
O efeito fundador, assim como o gargalo de garrafa, resulta em perda de diversidade genética (redução no número de alelos), que ocorre pelo pequeno tamanho populacional fundador.